Neste
post temos uma entrevista especial (e especial quer dizer a primeira
deste blog), e temos como convidado o TDAH “Hernan Rodrigo Vazquez.” .
Foto pouco convencional, então perfeita para a entrevista de um TDAH. |
Um
argentino naturalizado no Brasil, que saiu pelas estradas da vida com somente com sua
mochila que tinha apenas algumas poucas roupas, arame, algumas sementes, e
assim, foi viajar.
Peregrino: Bom, para começarmos, fale-nos sobre
você:
Hernan: Tenho 41
anos, trabalho como encarregado num Almoxarifado, vivo no RJ, descobri meu DDA
faz 2 anos, sou solteiro e Hobbies variam demais, hoje em dia é debater e ter
um monte de idéias que nunca consigo executar (um dia chego lá).
Peregrino: E então, você é argentino mesmo?
Hernan: Sim, sou Argentino, conheço Brasil desde
criancinha pois meu pai mora aqui, vim de vez em 2000.
Peregrino: Quantos anos você tinha quando
resolveu tomar esta decisão?
Hernan: 30.
Peregrino: Você trabalhava antes de fazer isso?
Hernan: Trabalhei
sempre em muitas coisas diferentes, mas quando decidi "chutar o
balde" estava sem emprego.
Peregrino: Como era sua vida social antes
disso?
Hernan: Sempre
tive uma boa vida social, sou bem sociável, porém antes da viagem (durante um
período de mais ou menos um ano), eu fiquei muito só, me isolei.
Peregrino: O que te levou cogitar a fazer isso?
Hernan: Recebi uma
visita de uma conhecida da Argentina, ela Artesã, que estava começando a
viajar, e quis começar pelo RJ, apesar dela não falar o idioma, uma amiga que
temos em comum me perguntou por e-mail se eu ajudaria ela no primeiro mês em
que ela ia ficar no RJ, eu falei que não tinha problema. No mesmo dia em que
ela chegou, enquanto procurávamos um lugar para ela ficar esse primeiro mês,
conversando, ela me falou olhando para mim, que ela me achava doente (no
sentido anímico, caído, sem reação), e eu na mesma hora me toquei que era
verdade...nesse momento já perguntei a ela se tinha algum problema de eu ir
embora viajar com ela, ela topou, nesse mês fizemos amizade com alguns malucos
de BR que nos ensinaram algumas coisas bem básicas, e com isso caímos na
estrada.
Peregrino: Você tinha boas condições para
progredir na vida caso fosse uma pessoa dita normal?
Hernan: Se bem
acho difícil responder perguntas hipotéticas, (se não fosse...), acho que sim,
educação boa, condições relativamente boas...
Peregrino: Tinha família?
Hernan: Sim, ainda
tenho. e me dou bem com eles.
Peregrino: Pensou muito antes de fazer isso? E
planejou bem depois de decidir fazer?
Hernan: Não e Não,
decidi num segundo, e o planejamento que fiz foi do “meu jeito”, isto é,
aprendi a fazer umas coisinhas bem simples, comprei uma passagem para nosso
primeiro destino (Vila Velha), e fui com R$ 100,00. Umas poucas ferramentas
velhas que consegui, algumas sementes e pedras que comprei mais algumas que os
malucos de BR me deram de presente, e lá “fuimos”!!
Peregrino: Oque pesou mais para que não
executasse o plano?
Hernan: Não ouve nada que me impedisse de ir, eu
precisava mesmo ir.
Peregrino: quais foram as dificuldades que você
enfrentou?
Hernan: Muitas,
desde explicar a família o inexplicável, até ir vivendo o dia a dia, e
aprendendo, tanto seja artesanato como as leis da estrada e das ruas, nesse
tipo de vida as coisas nunca são cinza, é tudo ou nada.
Peregrino: Por quantos anos você
permaneceu assim?
Hernan: Um ano.
Peregrino: Quais lugares você visitou nesse
tempo?
Hernan: Não da
para falar todos, mas alguns, Vila Velha, Vitoria, Alegre, Alto Caparaó,
Mariana, Ouro Preto, BH, Teofilo Otoni, Vitoria da Conquista, Arraial D´ajuda,
Lumiar, Campos, Nova Friburgo, Sana, Marataizes, e muitas mais...
Peregrino: sua colega
argentina estava com você na jornada?
Hernan: Só no primeiro mês, você comparte
trechos das suas viagens, mas a não ser que case(o que não era o caso pois ela
era só minha amiga), numa hora os caminhos seguem rumos diferentes, a amizade
continua é claro!! mas cada um por seu lado.
Peregrino: Por que não
viajou pela argentina ao invés do Brasil?
Hernan: Por que eu estava aqui, e a decisão
foi na hora aquela, com minha amiga que veio viajar pelo Brasil.
Peregrino: Como era sua rotina
nas ruas?
Hernan: Não tinha muita rotina, se estiver viajando
na estrada, você acorda cedo(geralmente quem te acorda é o sol mesmo), e vai
caminhar, procurar carona, trampar (fazer artesanato) ,vender , ou até explorar
o lugar. nas cidades sim chega a ter uma minima rotina, ou seja, você acorda, faz
um café da manha, trampa, meio dia vai vender ou almoçar, de tarde fica
trabalhando, a noite procura um "Mocó"(um lugar minimamente seguro
para dormir), e vai dormir com um olho aberto. só que isso também varia muito,
se você estiver com uma galera boa, se está com reservas (seja de grana ou
comida), se trabalhou a noite (a gente procura festas para vender melhor), se
está sozinho, se está acompanhado, etc, etc...enfim...nunca dá para ter uma
rotina mesmo.
Peregrino: Conseguia dormir
sob um teto na maioria das vezes?
Hernan: Não, ou dependendo do que você se
refere com isso, normalmente para dormir na rua você procura um lugar meio
escondido e que tenha pelo menos um toldo, caso chova. se tiver barraca,
dependendo aonde você pode montar ela, em cidade grande não dá, no interior isso
é mais comum. em muitos lugares você faz amizade e o pessoal te convida para
dormir nas suas casas, mas nisso ai você tem que ter sempre muito cuidado, tem
que ver direito onde você se mete.
Peregrino: Enfrentou muitos
perigos nas ruas?
Hernan: Vários, na realidade nesse ponto você sabe que sempre tem perigo, pode vir da policia, dos favorceros (pessoal que
mora na rua que fica só pedindo sem trabalhar, não mendigos ) que a noite
procuram os artesão para rouba-los e até mata-los para pegar e vender os
pertences(por isso tem que dormir sempre com um olho literalmente aberto,
jeje), ou se estiver no mato, até dos bichos ou animais que possa ter.
Peregrino: O que você acha que aprendeu com
isso tudo?
Hernan: Muito,
desde humildade até fazer artesanato(e com isso saber que sempre vou ter como
ir em frente), a cair e levantar na mesma hora, ficar atento, dormir com um
olho aberto, (Risos)
Peregrino: Se pudesse voltar atrás, você faria
tudo de novo?
Hernan: SIM.
Peregrino: Quando ainda estava lá, você chegou
a pensar que não deveria ter feito isso, que deveria desistir e que
voltar?
Hernan: NÂO, apesar de que ouve momentos muitos pesados, esse pensamento não veio.
Peregrino: Quais foram os
melhores momentos disso tudo?
Hernan: Um monte!! As vivencias, as
amizades, os lugares, a paixão, a vida é outra, quase que um outro mundo
paralelo, mas isso também depende muito de você mesmo, de como encara
as situações, da tua disposição para as coisas, tem que entender que nessa
vida, não existe planejamento, você simplesmente vive.
Peregrino: Quando percebeu que era realmente a
hora de voltar?
Hernan: No final
da viagem aconteceram coisas mais graves, e eu comecei a me descontrolar, parei
de me cuidar, a beber muito, usar drogas, e teve um dia em que vi que meu corpo
não estava mais aguentando, as feridas não cicatrizavam, ai chegou um dia em
que eu “me vi”, e pensei, tenho que parar um pouco e me recuperar(mais o
pensamento, nem o sentimento, foi de parar definitivamente, só um tempo até
voltar a ficar forte).
Peregrino: Como foi sua volta?
Hernan: Tranquila,
o que mais me custou foi chegar na Praça 15 sem grana, e tentar vender
artesanato no RJ de novo(as pessoas de cidades grandes são muito esquisitas,
vivem com medo, no interior as pessoas vem, conversam, e outra coisa), acabei
vendendo uma pulseiras para um taxista e pude pegar o ônibus até a casa da família.
Peregrino: foi fácil retomar sua antiga vida?
Hernan: Na
realidade nunca retomei, tudo foi diferente, mais voltar a ter uma rotina,
prestar atenção no trabalho e nunca conseguir, me dar mal, tentar muito fazer
as coisas bem e bater sempre a cabeça contra a parede... isso foi duro, estava
quase largando tudo de novo quando como ultima opção, decidi pesquisar na
internet meu problema(nem sabia que existia o TDAH/DDA, não mesmo), ai
encontrei um monte de coisas, e vi a descrição da minha vida no Google, só que
com outros protagonistas, mas com detalhes amais e outros com detalhes a menos;
era minha vida que estava ali, foi incrível, fiz os testes (fui horrível no de
DDA). Daí corri atrás, fui numa psicóloga (especializada em TDAH/DDA ), e ela me
diagnosticou, isso mudou minha vida, o rendimento no trabalho mudou
tanto(quando comecei com a Ritalina), que em 3 meses estava recebendo prêmios,
e uns meses depois, aumentaram meu salário. Ainda me falta muito, tenho que
achar um jeito de fazer TCC, e melhorar mais minha concentração, mas estou
indo...
Peregrino: As coisas ainda são como eram antes
de você viajar?
Hernan: Não,
olhando para atrás, acho que nunca tive épocas parecidas, a única coisa que
acho constante na minha vida, é que minha maior luta e comigo mesmo.
Peregrino: Bem, obrigado por ter nos concedido esta entrevista.
Uau. Acho que o que o Hernan fez passa pela cabeça de muitos adultos com TDAH.
ResponderExcluirQuando começo a me imaginar viajando, tenho medo de um dia do nada resolver sair pelo mundo, ir parar bem longe e não conseguir dinheiro para voltar.
Ainda planejo fazer isso, com um violão nas costas e uma gaita no bolso.
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